Mais de 60 países, incluindo o Brasil, ratificaram no último sábado (25) em Hanói, Vietnã, um novo tratado internacional promovido pela ONU, voltado para o enfrentamento global de crimes cibernéticos. Apesar dos avanços celebrados por autoridades, o documento enfrenta forte resistência de organizações de direitos humanos e empresas de tecnologia, que alertam para o risco de aumento da vigilância estatal e ameaças à proteção de dados.

A assinatura brasileira foi realizada pelo diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. O tratado estabelece regras para fortalecer o combate a infrações digitais, como pornografia infantil, esquemas de fraude transnacional e lavagem de dinheiro, além de facilitar a cooperação entre diferentes países. O acordo só terá validade após sua ratificação pelas nações signatárias.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou o momento como “um marco importante”, mas salientou que ainda é apenas o início de uma longa mobilização internacional. Guterres destacou que os ataques cibernéticos representam prejuízos bilionários e afetam diretamente migrantes, famílias e economias em todo o mundo, exigindo uma resposta coletiva eficiente.

Segundo nota divulgada pela Polícia Federal, o tratado permitirá uma troca mais ágil e estruturada de provas digitais entre países, promovendo maior efetividade nas investigações criminais e proteção das vítimas.

A construção do documento começou com uma iniciativa diplomática russa em 2017 e sua aprovação ocorreu por consenso no ano passado, após negociações prolongadas. Grupos de direitos humanos, porém, alertam sobre brechas existentes no texto, que podem ser usadas para intensificar abusos de poder, reprimir opositores ou comprometer direitos fundamentais.

Sabhanaz Rashid Diya, fundadora do Tech Global Institute, pondera que o acordo facilita a exigência de compartilhamento de dados por parte das empresas de tecnologia. “Isso abre um precedente perigoso, já empregado contra jornalistas e críticos em regimes autoritários”, disse à AFP.

O governo vietnamita confirmou a adesão de 60 países, mas não divulgou a lista completa. Diya explica que o cibercrime afeta todas as regiões e que, no Sudeste Asiático, golpes online tornaram-se uma indústria bilionária, impactando milhares de vítimas globalmente.

Mesmo países democráticos, segundo especialistas, buscam mecanismos mais robustos para acesso a dados digitais, o que é facilitado pelo tratado. Instituições da sociedade civil, contudo, consideram que as salvaguardas de direitos humanos do documento seguem frágeis e insuficientes.

Corporações tecnológicas manifestaram forte preocupação. Nick Ashton-Hart, do Tech Accord on Cybersecurity — coalizão que reúne mais de 160 empresas como Meta, Dell e Infosys — explicou que o grupo boicotou o evento. Companhias temem que o acordo criminalize a pesquisa em cibersegurança e dê poderes excessivos a estados para investigar qualquer delito no ambiente digital. Também argumentam que sistemas operados por suas empresas e utilizados diariamente por bilhões de pessoas estariam em risco.

Outro tema polêmico envolveu o local da assinatura. Organizações como a Human Rights Watch criticaram o histórico do Vietnã, apontando uso sistemático das leis para silenciar vozes dissidentes online. Deborah Brown, da entidade, afirmou que a legislação vietnamita é frequentemente usada para censurar críticas na internet e restringir a liberdade de expressão.